Dirigido e escrito por Daniel Barnz. Com Felicity Huffman, Elle Fanning, Patricia Clarkson, Bill Pullman, Bailee Madison, Campbell Scott, Ian Colletti, Caitlin Sanchez, Mackenzie Milone, Austin Williams.
A entrada em cena da professora de teatro é no mínimo, instigante. Ela faz sua irrupção declamando um dos mais belos exemplos do nonsense carrolliano Jabberwocky: “´Twas brillig, and the slithy toves / Did gyre and gimble in the wable: / All mimsy were the borogoves, / And the mome raths outgrabe”[1]. As crianças ficam mesmerizadas! Quando Alice escuta isso, relutantemente acha difícil de entender, mas afirma que este poema encheu sua cabeça de idéias. O mesmo aconteceu com Phoebe! A professora, com o poema, conseguiu imprimir na aluna um certo estranhamento. Phoebe inscreve-se para atuar na peça “Alice no País das Maravilhas”, pois acredita que sua mãe ficaria feliz por ela incorporar Alice e assim seria mais amada por ela.
A professora de teatro não diz aos alunos o que eles devem fazer, pede a eles que digam. Embora saiba como fazer, ela não disse aos alunos como fazer, repetindo, da mesma forma que um cozinheiro, os ingredientes de uma receita de bolo. Ela não se colocou como modelo, ao contrário, permitiu que os alunos se colocassem como sujeitos responsáveis pelo processo que passavam, transmitindo-lhes confiança.
Encontrar uma brecha onde seja possível dar um lugar para se encontrar. Após lutar contra suas resistências, Phoebe escolhe ser Alice e faz o teste para esse papel de maneira primorosa (Elle Fanning consegue passar no difícil teste e nos passar o peso da sensibilidade daqueles que são tocados pelo estranho, construíndo uma doce Alice). Ela carrega as palavras com muita intensidade, deixando-nos perceber que não se trata de pura encenação, por exemplo quando inicia a peça: “Como as coisas estão estranhas hoje. Deixe-me pensar. Eu era a mesma quando acordei de manhã? Tenho a impressão de ter me sentido um pouco diferente. Mas, se não sou a mesma, a próxima pergunta é, quem sou eu?” Eis sua interrogação existencial!
Phoebe se sentia como Alice no País das Maravilhas, completamente perdida, sem controle sobre seu corpo – o qual, lhe obrigava a movimentos involuntários, como lavar várias vezes as mãos – ou sua fala, levando-lhe a repetir frases e palavras que escutava, sem conseguir parar. Mas, eis que surge o Gato! A professora representa este papel para a menina. Uma das passagens mais incríveis dessa obra é quando Alice, ao saber que o Chapeleiro e a Lebre de Março são loucos, diz para o Gato que não quer se meter com gente louca. Ao que o Gato responde: “Oh, é inevitável! Somos todos loucos aqui. Eu sou louco. Você é louca”. É como se o Gato autorizasse Alice a também ser louca como os habitantes do País das Maravilhas e assim a menina pudesse continuar caminhando, sentindo-se menos estranha naquele lugar, ao dar-se conta de que ela também tinha um lado “maluco”. Na peça, Phoebe se sente menos diferente das outras crianças, pois pôde perceber que não havia nada nela que não fizesse parte do humano e assim como Alice começou a encarar uma dolorosa e comovente jornada como sujeito, que não é efeito da biologia, mas sim afetado pelos significantes que o cercam. E assim Phoebe continuou caminhando.
[1] “Solumbrava, e os lubriciosos touvos / Em vertigiros persondavam as verdentes; / Trisciturnos calavam-se os gaiolouvos / E os porverdidos estriguilavam fientes”. Fonte: CARROL, Lewis. Alice: Edição Comentada. Ilustrações originais, John Tenniel; introdução e notas, Martin Gardner; tradução, Maria Luiza Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.